segunda-feira, 1 de setembro de 2014

KINESIO TAPE NÃO FUNCIONA!



      Após algumas pesquisas e perguntas que continuaram sem respostas, eis que sai uma reportagem sobre a Kinesio Tape. Este estudo publicado vem à confirmar minhas dúvidas, porém, ainda pretendo descobrir mais sobre esta técnica.
      A Revista O2 de Agosto/14 traz apenas um "teaser" sobre o assunto, mas logo abaixo segue a entrevista completa.
Boa leitura!

Por Rodolfo Lucena
Ultramaratonista e Colunista do caderno "Equilíbrio" da Folha.

      A gente está cansado de ver, em partidas de futebol, jogos de tênis, embates e de vôlei e até disputas de natação, atletas exibindo aquelas fitas gomadas coloridas. Muitos de nós, corredores, também já usamos a kinesio tape, em tratamento de alguma lesão muscular.
      Pois agora um estudo feito por pesquisadores brasileiros, que revisaram pesquisas internacionais envolvendo quase 500 pacientes, demonstraram que os cientistas não conseguiram provar a eficácia desse tipo de tratamento. Eu entrevistei o orientador desse trabalho, professor Leonardo Costa, coordenador do programa de doutorado em fisioterapia da Universidade Cidade de São Paulo (UNICID) para bum reportagem que foi publicada na Folha.
      Agora, publico a entrevista completa com o professor Costa, que dá mais detalhes sobre o seu trabalho. A Pesquisa foi publicada no “Journal of Physiotherapy”, uma das três mais importantes revistas científicas no mundo no terreno da fisioterapia.       Como em outras publicações do gênero, ela só publica artigos depois de os textos passarem por rigorosa revisão feita por cientistas da área.
Bueno, vamos à entrevista.

Por que o senhor resolveu fazer uma revisão dos estudos sobre kinesio tape?
      Eu me interessei em estudar o kinesio taping após ver centenas de imagens na TV de atletas profissionais, por volta de 2010, utilizando essas fitas coloridas. Naquela época, achava que era simplesmente um esparadrapo colorido e bonitinho. Nesse mesmo ano, fui ao congresso da Sociedade Nacional de Fisioterapia Esportiva (Sonafe) e vi uma palestra do Kenso Kase (um quiropracista que é o inventor da técnica). Achei o teor e os argumentos científicos do uso da fita extremamente superficiais e decidi estudar essa intervenção a fundo. Rapidamente percebi que os poucos estudos existentes já afirmavam que a técnica não funcionava e decidi abrir uma linha de pesquisa nesse tópico.
      Desde então fizemos uma revisão sistemática (que é o tópico dessa entrevista), já encerramos um ensaio controlado aleatorizado em 148 pacientes com dor lombar crônica (que será publicado em julho desse ano) e estamos, no momento, fazendo um terceiro estudo, também em pacientes com dor lombar.
      Um dos objetivos do meu grupo de pesquisa da Universidade Cidade de São Paulo – Unicid (também liderado pela profa. dra. Lucíola Menezes Costa) é informar melhor pacientes e terapeutas sobre a eficácia do kinesio taping em pacientes com problemas do aparelho musculoesquelético. A revisão também faz parte do estudo da ex-aluna Patrícia Parreira do Mestrado em Fisioterapia da UNICID, hoje doutoranda na University of Sydney, Austrália.

Na introdução de seu trabalho, o senhor cita outras pesquisas do mesmo gênero (revisão de literatura), ainda que com aspectos diferentes. Consideradas as suas especificidades, quais foram os resultados dessas pesquisas? Eles são consistentes com o resultado da pesquisa que o senhor coordenou?
      Os resultados das revisões anteriores são extremamente consistentes com os da nossa revisão. De forma bem resumida e simples pode-se dizer que a evidência cientifica atual é muito clara: o KT não é útil para pacientes e atletas como os criadores da técnica proclamam.

A pesquisa afirma que não há comprovação científica ou médica de efeitos curativos do KT. Qual é a novidade disso, considerando que, já na Wikipedia, o verbete sobre o tema começa dizendo exatamente isso? Ou seja, é voz corrente mesmo fora dos meios acadêmicos ou científicos…
      Eu me faço a mesma pergunta todos os dias: se todos sabem que não funciona, por que todos continuam usando? Há uma indústria de fitas e cursos enorme por trás disso, que distribuem gratuitamente fitas em jogos olímpicos e grandes eventos esportivos. Isso passa uma impressão de credibilidade do tipo “se o Rafael Nadal usa, porque eu não posso usar?”.
      Lembro a você, Rodolfo, que aquelas braçadeiras magnéticas (denominadas de Power Balance) tiveram a mesma repercussão no passado e hoje estão banidas por órgãos de defesa do consumidor em vários países desenvolvidos. A triste realidade é que muitos recursos utilizados no esporte não necessariamente possuem suporte científico para sua utilização.

O fato de não haver comprovação científica significa dizer que a fita não funciona?
      Há uma grande diferença entre “não haver comprovação científica” (não haver estudos) e “haver comprovação que não funciona”. Minha revisão encontrou 12 ensaios controlados aleatorizados (que são considerados os melhores tipos de estudo para verificar os efeitos de uma intervenção de saúde) e praticamente nenhum deles encontrou benefícios dessa fita. Ou seja: há comprovação científica de que não funciona.
      Logicamente, é possível que novos estudos isolados venham a encontrar resultados positivos de forma pontual, mas os dados atuais apontam que essa possibilidade é improvável. Nosso grupo de pesquisa da Unici segue realizando novos estudos para verificar se algo muda. Como pesquisadores profissionais, estamos prontos para divulgar nossos resultados, independentes deles serem positivos ou não. Nosso foco é informar usando a melhor ciência disponível.

Se ela não funciona, como o senhor explica o grande número de atletas que a usa, como se viu na última Olimpíada ou em qualquer partida internacional de tênis?
      O KT é um dos maiores “cases” de marketing esportivo da história. Desde as olimpíadas de Sydney em 2000, quilômetros de fitas KT são distribuídos gratuitamente para os departamentos médicos das confederações esportivas de todos os países (há várias reportagens sobre isso na internet). Muitos médicos, treinadores e fisioterapeutas passaram a usar a tal fita colorida em seus atletas e o KT ganhou muita publicidade gratuita com isso.
      Infelizmente, a maioria esmagadora dos estudos vem demonstrando que o efeito dessas fitas não são superiores a de um efeito placebo. Cientificamente falando, o fato de um atleta se sentir melhor com uso da fita não significa que ela seja eficaz.
      No mesmo sentido, como o senhor explica que vários treinadores de corrida e fisioterapeutas especializados na área esportiva recomendem seu uso e façam aplicações do KT? Aliás, conversei com alguns que deram depoimentos entusiasmados (tipo: uso, defendo e recomendo)…
      A mente humana é incrível e quanto mais publicidade positiva (e não baseada em evidências científicas) ocorrer, maior será essas impressões incorretas de eficácia. Infelizmente, os cursos de utilização de KT e as demais formas de divulgação dessa intervenção não apresentam os estudos que, de fato, investigaram sua real eficácia.
      O mais curioso é que, mesmo quando apresento dados sobre isso, muitos técnicos e fisioterapeutas dizem:  “Pois eu continuarei usando”. Isso é lamentável, porque no fundo, ninguém está se beneficiando. Tratamentos eficazes podem estar sendo substituídos por um novo tratamento que não é melhor do que um placebo.
O senhor acredita que há mais marketing do que ciência em torno da eficácia do KT?
      Não só para o KT como para diversas intervenções em saúde. A ordem correta das coisas seria que primeiro fosse testada a eficácia das intervenções e depois as mesmas poderiam ser colocadas no mercado. Infelizmente, não é isso que acontece e nesse meio tempo, muitos gastos são feitos em tratamentos ineficazes.

Por favor, dê mais detalhes sobre a pesquisa realizada pelo seu grupo.
      O estudo considerado padrão ouro para determinar a evidência de uma determinada intervenção é denominado “revisão sistemática de ensaios controlados aleatorizados” e esse foi o estudo que fizemos. Nós buscamos nas principais bases de dados em pesquisa do mundo os ensaios controlados aleatorizados sobre a eficácia do KT para pacientes com qualquer problema músculo esquelético.
      Encontramos 12 ensaios clínicos que preencheram esses critérios de elegibilidade. Retiramos todas as informações de cada um dos estudos (como por exemplo, qual problema de saúde foi investigado, como as fitas foram aplicadas, qual foi o grupo controle utilizado para comparação, qual era o tamanho amostral, além dos resultados de cada um dos estudos, entre outros). Além disso, analisamos a qualidade metodológica de cada um desses estudos.
      De posse dessas informações, fomos capazes de sumarizar os resultados dos 12 estudos, ponderando esses resultados levando em consideração o tamanho amostral e a qualidade de cada um dos estudos. Nossas conclusões foram que praticamente todos os estudos encontraram que o KT não era melhor que os grupos controle e nas raras situações em que o KT foi melhor, essa “vantagem” era ínfima e que não pode ser considerada como clinicamente importante.
      É importante ressaltar que nossas conclusões são baseadas nesses 12 estudos já publicados e que é possível, que estudos maiores podem mudar essas conclusões. Mas está claro que a evidência atual é contundente que o KT está longe de ser considerado como uma terapêutica eficaz para pacientes com dores de origem musculoesquelética.

Não é pouco para fazer afirmações como as que vocês fazem?
      Na data da realização das buscas da revisão, só existiam 12 ensaios controlados aleatorizados sobre o tópico, nossa revisão sumariza TODA a evidência disponível para pacientes com distúrbios musculoesqueléticos. Ou seja, nenhum estudo com essas características foi desconsiderado.
Há outras revisões que só analisaram estudos com atletas ou com pessoas normais. Ambos estudos analisaram variáveis de performance (como por exemplo, saltos verticais, força muscular, etc). A conclusão dessas revisões é idêntica a nossa: o KT não foi melhor que placebo.

Como a comunidade acadêmica recebeu seu estudo?
      Todas as vezes que apresentamos os resultados dessa revisão em congressos, defesa de dissertação de mestrado e para agências de fomento de pesquisa (como a FAPESP e CNPq), os projetos de KT do nosso grupo foram sempre bem recebidos. Nossos estudos são extremamente rigorosos do ponto de vista científico e nunca fomos questionados quanto a interpretação e veracidade dos nossos resultados. A comunidade acadêmica analisa os dados de forma neutra e sem conflitos de interesse. Ninguém viu os dados com surpresa. Porém observo muita frustração de clínicos e instrutores de KT em nossas apresentações.

Fonte: http://rodolfolucena.blogfolha.uol.com.br/2014/06/16/kinesio-tape-nao-funciona-diz-estudo-brasileiro/

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